sexta-feira, 31 de outubro de 2008

10. Carta a um amigo a.k.a. ponto da situação/ em que pé anda o projecto

Carta a um amigo...sobre o projecto

[Olá. Espero que esteja tudo bem contigo, no amor, no trabalho, no dinheiro e na saúde. Mas adiante, porque não estou a escrever para saber como é que tu estás. Escrevo para te explicar um projecto que ando a desenvolver na faculdade.]


Ora bem. A ideia do projecto seria criar um ser que tivesse a capacidade de se transformar em objectos diferentes (ou incapacidade de ser um objecto de aparência fixa). Este apareceria em diferentes lugares e seria visto por pessoas, que por sua vez questionar-se-iam sobre a sua presença. Ou seja, supostamente tem de ser um objecto que desenquadre com o contexto onde se encontra e/ou que tenha uma presença bastante forte para conseguir chamar a atenção e fazer a pessoa viajar no seu mundo de memórias e de experiências. Tu agora dizias-me: “Pois... crias um ser. As pessoas – sobretudo as crianças - criam seres imaginários para se entreterem, e criam amigos imaginários quando não há ninguém à mão para dois dedos de conversa, e até se multiplicam em vários seres imaginários com diferentes facetas, como Pessoa com os seus heterónimos. Pois sim, estou a ver.” Não, o ser não teria exactamente essa dimensão de amigo imaginário... Pensei nessa hipótese, mas acho mais interessante explorar a reacção das pessoas perante determinadas situações, neste caso em situações em que um objecto está fora de contexto. Ah, esqueci-me de referir que temos um tema para o projecto: a leveza. Este ser teria uma existência leve, o percurso dele teria vários caminhos possíveis, definido pelo utilizador em grande parte. E ao mesmo tempo, teria peso na medida em que provocaria as pessoas pelo seu caractér insólito. Agora penso que não faz muito sentido pensar num ser, mas chamar-lhe coisa. Uma coisa mutável.

Em discussão com o professor da cadeira de metodologia, lembrei-me de uma situação e da minha reacção: Voltava para casa numa tarde de Domingo, e no caminho passei por uma rua de pouco movimento onde deparei-me com um piano já com falta de peças à porta de um prédio. Vinha a caminhar e estava ainda a uns bons atrás quando reparei num objecto ali posto ali no passeio. Só mais perto percebi que era um piano, ou tinha sido um piano. Passei por ele, abrandei, olhei, e continuei. Mas uma curiosidade qualquer fez-me voltar atrás e ficar parada a olhar para o piano que não podia ser tocado. Procurei se havia alguma referência sobre a fábrica, que peças é que restavam do instrumento, acho que ainda lhe toquei, e inevitavelmente lembrei-me de como gosto do som do piano. Agora, ao evocar a situação, recordo-me do gosto e de alguma habilidade do meu pai para tocar piano, da música clássica que ouvia quando era criança, e de várias outras situações em que um piano estava presente. Não consigo lembrar-me é de outra situação semelhante àquela, um piano que já não é piano, ali no passeio. Mais estranho ainda foi tê-lo reencontrado numa outra rua mais próxima de casa quando ia a caminho da estação de metro no dia seguinte de manhã. Desta vez decorado com um papel a avisar “Não tocar”. Até à estação fui a divagar sobre a história daquele objecto enquanto piano, o que o teria matado enquanto piano, sobre a razão de estar ali outra vez ao relento, qual seria o seu destino e se voltaria alguma vez a funcionar como piano. O que um objecto faz pensar em tais cirscuntâncias... Acho que o facto de lhe ter sido retirada a função primária foi o que me despertou mais curiosidade e indignação, aspecto que podia explorar no meu projecto: objectos que perderam a função, colocados em lugares para os quais não foram primariamente pensados; não podermos já dar-lhes uso, nem estarem num lugar em que seria suposto serem usados. Isto pode remeter para o conceito de “lixo”, por isso surgem algumas reticências quanto à perda óbvia de função. Teria de escolher os objectos e os contextos espaciais e sociais de maneira a que não parecessem lixo e terem impacto.

Num pequeno à parte: Com a quantidade de objectos abandonados (postos ao pés dos contentores ou apenas jogados onde calha) que conseguimos encontrar pelas ruas (pelo menos nesta cidade) é possivel recolher o essencial para mobilar uma casa. Basta estarmos atentos a certas zonas, a certas horas da noite. Parece-me uma maneira criativa, ecológica e barata de mobilar, por exemplo, um quarto. Tivesse eu alguém à mão para me ajudar no transporte, e espaço no quarto, já o teria composto com mais um colchão, um sofá e um grande espelho.

Continuarei a carta depois de começar a avançar com o projecto, ou seja, muito em breve.


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